13 de Setembro Dia Nacional da Cachaça – Uma Dose de História

Viva o Dia Nacional da Cachaça! Origem da data está ligada à Revolta da Cachaça

Devotos, apreciadores, admiradores, cachaceiros, alambiqueiros, produtores, sommeliers, bartenders e bebedores em geral, vamos celebrar. Salve o 13 de Setembro, Dia Nacional da Cachaça, instituído para honrar a bebida que representa a cultura e a formação brasileiras, o néctar que traduz as heranças das raças que formaram a nossa identidade como nação – essa nação que, como a cachaça que amadurece até chegar a seu ponto certo, ainda há de brilhar com fulgor, mas que, como a cachaça que já pinga deliciosa do alambiqiue, sempre pode encher nosso coração de orgulhos e alegrias.
Mas estamos aqui falar da origem da data. E, desde já, afirmo: é irônico, mas celebramos a Cachaça no dia em que ela foi… proibida! Vamos aos fatos, pois a história é bonita. Nosso líquido precioso esteve envolvido em nosso primeiro grito por liberdade – a primeira revolta contra o domínio português na América, 355 anos atrás. Sim, a cachaça é uma senhora. E uma senhora rebelde, protagonista da Revolta da Cachaça.

Em todos os dias 13 de setembro, se repete a lenda que a regente de Portugal, Luisa de Gusmão, decretou a liberação da produção da cachaça no Brasil a 13 de setembro de 1661, após uma proibição que durava 12 anos, entre idas e vindas. Mas a responsabilidade de quem edita uma revista e coleção de história (História Viva) e escreveu um livro de História voltado para adolescentes (O que você sabe sobre a África?, Nova Fronteira, 2016) obriga esse devoto a dizer que ainda não apareceu nenhuma fonte que confirme essa data. De fato, o que existe é uma confusão entre o dia da liberação com… o dia da proibição! Este é líquido, certo: Lisboa baixou um decreto proibindo a fabricação da cachaça no Brasil em 13 de setembro de 1649. Aí, abaixo, explico melhor os fatos, que formam uma parte decisiva da História da cachaça e, por extensão, do Brasil.

A cachaça proibida

Martim Afonso trouxe em 1531 as mudas de cana que iniciaram a produção em larga escala da cana no país. É possível que o fidalgo tenha trazido ainda o primeiro alambique do Novo Mundo, que talvez já tivesse produzido aguardente de uva, mel ou cana nas Canárias, ponto de passagem da esquadra que ele comandava. O certo é que em Pernambuco (onde já havia cana em 1515), na Bahia, na Guanabara (onde há relatos da presença de cana em 1519) ou em São Vicente, o processo da destilação que os ibéricos haviam aprendido com os árabes produziu, pela primeira vez, a aguardente de cana no Brasil. Se seguirmos os passos da pinga de frente para trás, a probabilidade maior é de que essa primeira alambicada tenha se realizado em São Vicente. O certo é que a cachaça não nasceu de acaso nenhum, como querem certas narrativas lendárias de caráter duvidoso.

A cachaça firmou-se rapidamente no gosto popular do populacho brasileiro da época: muitos “negros da terra” (índios), alguns africanos e poucos portugueses – de modo geral, plebeus que cumpriam por aqui penas de degredo por crimes contra a Coroa ou contra a Igreja. A jeribita era barata, já que a cana era farta e de produção relativamente fácil – a partir do caldo, do melado, da rapadura… As três raças logo se entregaram às delícias do “vinho da cana”. Com isso, o consumo do vinho e da bagaceira caiu.

No século seguinte, os africanos d’além mar também já haviam se tornado consumidores de cachaça – o único destilado que conheciam. Comerciantes inundavam a costa africana com a cachaça, que trocavam por escravos que eram vendidos na volta ao Brasil com lucros extraordinários. Isso se tornou uma grande preocupação para a Coroa portuguesa. Acossada pela concorrência da cachaça no Brasil e na África, e com o apoio dos grandes senhores de engenho que viam a cana dos pequenos fazendeiros desviada da função de matéria-prima do açúcar para os alambiques de cachaça, Lisboa proíbe em 13 de setembro de 1649 a fabricação do “vinho de mel” em todo o Brasil.

O protesto dos fazendeiros, sobretudo os da província do Rio de Janeiro, que abasteciam Angola de cachaça, é forte e começa uma queda-de-braço com a Coroa, que retira a proibição, aumenta taxações, torna a proibir, num vai e volta constante. Em 1659, o comércio de aguardente sob qualquer forma, torna-se crime. O Rio de Janeiro, cidadela dependente do porto para seu sustento, entra em crise. Com poucos barcos avistados na barra, o salário da guarnição atrasa, por falta de recursos no caixa da Câmara. Os fazendeiros do Recôncavo da Guanabara estavam estiolados, desprovidos de seu principal ganha-pão, que era a venda da cachaça, especialmente para os comerciantes da linha da África. Nesse clima, o governador da capitania deu a resposta habitual: aumentou impostos – no caso, o predial, sobre os 750 moradores portugueses da cidade, já que os 100 negros e 6 mil indígenas residentes não tinham posses. A revolta se anunciava.

A Revolta da Cachaça

Em 8 de novembro de 1660, um barco, que saíra da freguesia de São Gonçalo, aportou no que hoje é a Praça XV. Dele, desembarcou um grupo de revoltados fazendeiros, que se reuniram a outros cidadãos que já os esperavam e se puseram em marcha para o edifício da Câmara, ali perto. O prédio foi rapidamente tomado pelos revoltosos, que lavraram um auto. No documento, os revoltosos explicavam que “magoados, queixosos e oprimidos das vexações, tiranias, tributos, fintas, pedidos e destruições de fazendas que lhes havia feito o governador Salvador Corrêa de Sá e Benevides”, vinham “excluir e remover o dito general do cargo”. O documento levou a assinatura de 112 cidadãos.

No mesmo dia, Agostinho Barbalho Bezerra prestou juramento como governador do Rio de Janeiro, eleito pela aclamação do povo. Toda a população – ou pelo menos a “portuguesa” – da cidade estava nas ruas num êxtase favorecido pelo consumo livre de cachaça.

Apenas cinco meses depois, em 6 de abril de 1661, o governador deposto, acompanhado de seu filho, alguns criados e índios, conseguiu retomar a cidade, ocupando os fortes de São Sebastião (no morro do Castelo) e de São Thiago (no atual Calabouço). O líder da revolta, o produtor de cachaça Jerônimo Barbalho (irmão de Agostinho), foi enforcado “para um geral exemplo às conquistas de Vossa Majestade”.
Só que a Coroa não apoiou a aplicação da pena máxima pelo governador. Afinal, a revolta teve lá sua razão de ser, pensaram na corte. Benevides acabaria sendo chamado de volta a Lisboa e processado, enquanto a produção da cachaça, para deleite de fazendeiros, comerciantes e do povo brasileiro em geral, era liberada sem restrições, a fim de se evitarem novos problemas. O ano da liberação foi 1661. O dia é questão ainda em aberto. A verdade dorme na Torre do Tombo, na capital portuguesa, à espera de novas pesquisas.

De todo modo, a rebelião popular contra o arbítrio de Corrêa de Sá e Benevides foi o início da trajetória de símbolo da nacionalidade que a nossa bebida assumiu e que nos leva a celebrar hoje o Dia Nacional da Cachaça. Saúde!

Matéria de Dirley Fernandes em Devotos da Cahaça.

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